Por Maria Helena Rachid
A partir de estudos e reflexões provocadas por sua experiência clínica, Freud concluiu que repressões de ordem sexual, ocorridas nos primeiros anos de vida, influenciavam comportamentos futuros e geravam sintomas. Daí depreendeu a fundamental importância da sexualidade na estruturação da vida psíquica, passando a investigar a constituição da sexualidade. Apresenta, então, em 1905, Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade.
Na referida obra, trata da pulsão sexual e afirma que, logo após o nascimento, apoiando-se na preservação da vida, tem início a vida sexual, caracterizada como perverso-polimorfa e autoerótica. Percebe uma certa organização nas pulsões. Conclui, ainda, que a criança passará por diferentes fases de desenvolvimento pelo deslocamento da libido por zonas erógenas – oral, anal, fálica e genital.
Outra hipótese para estruturação da sexualidade e constituição da subjetividade foi apresentada por Freud, em 1897, em carta a Fliess – o Complexo de Édipo, que se caracteriza, de forma bastante simplificada, pela manifestação de amor exagerado pelo genitor de sexo oposto e rivalidade com o do mesmo sexo.
Cabe destacar que, nesse modelo de organização sexual tanto do menino quanto da menina, apenas um órgão genital é considerado – o masculino, cuja representação psíquica é o falo, que terá total primazia como elemento organizador da sexualidade.
A presença/ausência do pênis é percebida e a criança responde a ela – o menino, por crer que havia um pênis, retirado pela castração, teme perder o seu; a menina percebe que não tem pênis e conclui que é castrada. A castração, então, prepara a entrada da menina na trama edípica e vai representar para o menino a destituição do Édipo.
No complexo de Édipo o menino desenvolve amor objetal e desejo pela mãe, que é interditado pelo pai. Pela impotência diante do pai, aflora o medo da castração, que leva à dissolução do complexo de Édipo pela renúncia à mãe, identificação com o pai e internalização da autoridade paterna, que leva ao estabelecimento de um superego forte.
Na menina, a reação ao fato de não ter recebido um pênis provoca a entrada no Édipo. Passa a odiar a mãe, a quem amava, por ciúmes e revolta pelo pênis que lhe foi negado. Inveja a posse do pênis pelos meninos, desliga-se da mãe, torna o pai seu objeto amoroso e substitui o desejo de ter um pênis pelo de ter um filho. Como o pai não vai aceitar esse amor e lhe negará o filho, volta-se à mãe. A menina não vivencia o temor da castração, por isso supera o complexo de Édipo tardiamente e de forma incompleta, o que origina um superego frágil.
A castração será enfrentada, por meninos e meninas, com dificuldades, que provocarão angústia, pela qual o homem vai desembocar no protesto masculino e a mulher na inveja do pênis.
Em Mal-estar na civilização (1930), Freud amplia a questão da castração, traz a lei do pai, os ditames sociais e se afasta da questão anatômica.
A escolha do falo como ordenador da sexualidade corresponde a uma construção teórica a partir de uma sociedade “pai orientada”, cujo modelo para leitura da falta no ser humano é o complexo de Édipo. Inicialmente, a ameaça de castração é fundamental para Freud. Em momento posterior, põe em dúvida essa importância, mas não chega a uma outra resposta satisfatória, porque, à época, falta-lhe referencial teórico, como o que foi desenvolvido, posteriormente, por exemplo, pela Linguística saussuriana estruturalista, com conceitos como discurso, signo linguístico, significante e significado, que poderiam tê-lo inspirado a construir outras alternativas de resposta.
Freud é o grande elaborador da representação da sexualidade humana, pela constatação de que não é natural e abrindo possibilidades para que seja vivenciada de forma diferente. Seu trabalho acena para mudanças sociais, inclusive no que diz respeito à mulher. No entanto, contraditoriamente, em 1912, afirma que “anatomia é o destino”. De fato, a sociedade da época estabelecia papeis muito diferentes para homens e mulheres e, embora Freud percebesse que essa distinção era determinada pela cultura, não conseguiu elaborar essa percepção.
Hoje, tem-se a compreensão de que a anatomia não é o destino, já que a diferença anatômica é significada porque vivemos na cultura, que nos destina um sexo masculino ou feminino. Portanto, a diferença sexual é sempre interpretada, porque não temos acesso ao real do corpo.
Importante destacar que a construção de gêneros passa também pelo discurso. Os primeiros significantes que nos designam são homem e mulher, antes mesmo do nascimento. De acordo com François Leguil, psicanalista e psiquiatra francês, homem e mulher são ficções, oferecidas pela cultura através da linguagem, são significantes, e há uma imensa variedade no modo como se pode viver ser homem, ou ser mulher. Masculinidade e feminilidade são estruturadas a partir de condições particulares de cada sujeito em sua singularidade, mas todos se igualam na condição de desejantes.