A ANATOMIA É O DESTINO?

Por Maria Helena Rachid

A partir de estudos e reflexões provocadas por sua experiência clínica, Freud concluiu que repressões de ordem sexual, ocorridas nos primeiros anos de vida, influenciavam comportamentos futuros e geravam sintomas. Daí depreendeu a fundamental importância da sexualidade na estruturação da vida psíquica, passando a investigar a constituição da sexualidade. Apresenta, então, em 1905, Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade.

Na referida obra, trata da pulsão sexual e afirma que, logo após o nascimento, apoiando-se na preservação da vida, tem início a vida sexual, caracterizada como perverso-polimorfa e autoerótica. Percebe uma certa organização nas pulsões. Conclui, ainda, que a criança passará por diferentes fases de desenvolvimento pelo deslocamento da libido por zonas erógenas – oral, anal, fálica e genital.

Outra hipótese para estruturação da sexualidade e constituição da subjetividade foi apresentada por Freud, em 1897, em carta a Fliess – o Complexo de Édipo, que se caracteriza, de forma bastante simplificada, pela manifestação de amor exagerado pelo genitor de sexo oposto e rivalidade com o do mesmo sexo.

Cabe destacar que, nesse modelo de organização sexual tanto do menino quanto da menina, apenas um órgão genital é considerado – o masculino, cuja representação psíquica é o falo, que terá total primazia como elemento organizador da sexualidade.

A presença/ausência do pênis é percebida e a criança responde a ela – o menino, por crer que havia um pênis, retirado pela castração, teme perder o seu; a menina percebe que não tem pênis e conclui que é castrada. A castração, então, prepara a entrada da menina na trama edípica e vai representar para o menino a destituição do Édipo.

No complexo de Édipo o menino desenvolve amor objetal e desejo pela mãe, que é interditado pelo pai. Pela impotência diante do pai, aflora o medo da castração, que leva à dissolução do complexo de Édipo pela renúncia à mãe, identificação com o pai e internalização da autoridade paterna, que leva ao estabelecimento de um superego forte.

Na menina, a reação ao fato de não ter recebido um pênis provoca a entrada no Édipo. Passa a odiar a mãe, a quem amava, por ciúmes e revolta pelo pênis que lhe foi negado. Inveja a posse do pênis pelos meninos, desliga-se da mãe, torna o pai seu objeto amoroso e substitui o desejo de ter um pênis pelo de ter um filho. Como o pai não vai aceitar esse amor e lhe negará o filho, volta-se à mãe. A menina não vivencia o temor da castração, por isso supera o complexo de Édipo tardiamente e de forma incompleta, o que origina um superego frágil.

A castração será enfrentada, por meninos e meninas, com dificuldades, que provocarão angústia, pela qual o homem vai desembocar no protesto masculino e a mulher na inveja do pênis.

Em Mal-estar na civilização (1930), Freud amplia a questão da castração, traz a lei do pai, os ditames sociais e se afasta da questão anatômica.

A escolha do falo como ordenador da sexualidade corresponde a uma construção teórica a partir de uma sociedade “pai orientada”, cujo modelo para leitura da falta no ser humano é o complexo de Édipo. Inicialmente, a ameaça de castração é fundamental para Freud. Em momento posterior, põe em dúvida essa importância, mas não chega a uma outra resposta satisfatória, porque, à época, falta-lhe referencial teórico, como o que foi desenvolvido, posteriormente, por exemplo, pela Linguística saussuriana estruturalista, com conceitos como discurso, signo linguístico, significante e significado, que poderiam tê-lo inspirado a construir outras alternativas de resposta.

Freud é o grande elaborador da representação da sexualidade humana, pela constatação de que não é natural e abrindo possibilidades para que seja vivenciada de forma diferente. Seu trabalho acena para mudanças sociais, inclusive no que diz respeito à mulher. No entanto, contraditoriamente, em 1912, afirma que “anatomia é o destino”. De fato, a sociedade da época estabelecia papeis muito diferentes para homens e mulheres e, embora Freud percebesse que essa distinção era determinada pela cultura, não conseguiu elaborar essa percepção.

Hoje, tem-se a compreensão de que a anatomia não é o destino, já que a diferença anatômica é significada porque vivemos na cultura, que nos destina um sexo masculino ou feminino. Portanto, a diferença sexual é sempre interpretada, porque não temos acesso ao real do corpo.

Importante destacar que a construção de gêneros passa também pelo discurso. Os primeiros significantes que nos designam são homem e mulher, antes mesmo do nascimento. De acordo com François Leguil, psicanalista e psiquiatra francês, homem e mulher são ficções, oferecidas pela cultura através da linguagem, são significantes, e há uma imensa variedade no modo como se pode viver ser homem, ou ser mulher. Masculinidade e feminilidade são estruturadas a partir de condições particulares de cada sujeito em sua singularidade, mas todos se igualam na condição de desejantes.

Obra surrealista Os amantes – René Magritte

a Singularidade psíquica

Por Bruno Adipietro

Freud encontrava sempre, nas interpretações dos sonhos dos seus pacientes, inúmeras descontinuidades, interrupções, buracos, os chamando de umbigos dos sonhos. Com Lacan, décadas depois, não foi diferente, mesmo tendo ele expandido essa reflexão e unificado essas dificuldades, esses limites, como sendo o encontro dos seus registros psíquicos, chamando-o de objeto pequeno a. Já os matemáticos e físicos se questionam, e muito, sobre o que é e o que acontece no núcleo de um buraco negro. Penso que os psicanalistas podem ajudar os físicos, e vice-versa. Vejamos como.

os buracos negros

   Em algum momento dos estudos da nossa física moderna, contando com os constantes avanços matemáticos, começamos a nos perguntar o que seria necessário prum objeto viajar para além dos limites da nossa atmosfera. Seguindo-se sempre as mesmas premissas de método, foram construídas as mais diversas fórmulas pra se calcular o ângulo disso, a quantidade daquilo, e a energia pra aquilo outro. Uma dessas fórmulas, que não vou aqui incluir por motivos práticos, é a que calcula a velocidade mínima necessária pra que um objeto escape à atração gravitacional de um outro. Assim como muitas outras fórmulas matemáticas, esta se utiliza de dados de dois corpos quaisquer, como massa e distância entre si. Mas com essa fórmula, que assim como outras, também é uma ferramenta filosófica, e, sabendo que a velocidade da luz é a maior velocidade conhecida e possível, pudemos nos perguntar o seguinte: será que existem astros no Universo que podem implicar uma velocidade de escape igual ou maior à velocidade da luz? A resposta, inicialmente teórica, foi um retumbante sim: os buracos negros.

   Primeiramente tidos como inexistentes e impossíveis, os buracos negros, que assim foram chamados justamente pelos que se opunham a eles, e como forma de chacota, foram confirmados pelas observações feitas na constelação de Cisne, que está a cerca de seis mil anos-luz de distância do nosso Sol. Tal confirmação se deu, mais especificamente, com o objeto então chamado de Cygnus X-1, que deu até nome a uma música da banda canadense, que eu muito aprecio, chamada Rush. Tal objeto, na verdade, é um sistema duplo, composto por uma estrela supergigante, que tem por volta de oito vezes a massa do nosso Sol, e um buraco negro “logo” ao seu lado, que fica atraindo e destruindo matéria proveniente dessa mesma estrela.

   Uma informação interessante sobre esse buraco negro, assim como sobre todos os outros, e que também é o alvo da nossa analogia com a psique humana, é o seu horizonte de eventos. Esse horizonte nada mais é do que uma área, uma zona, a partir da qual não se pode mais resgatar a matéria que foi atraída pelo buraco negro. Se uma nave espacial cruzar esse limite, por exemplo, ela não poderá ser jamais resgatada, ou nem desenvolver velocidade suficiente pra escapar à tamanha atração gravitacional, tendo como destino final a aniquilação total e completa. Um pouco dramático? Sim, mas é o que acontece de fato. O que cruza essa linha, o que ultrapassa esse horizonte, jamais é recuperado. E é esse o gancho necessário pra olharmos para os nossos próprios horizontes.

a nossa psique

   Quer gostemos ou não, chegamos a esse mundo despreparados, desprotegidos, e desamparados, pra nos lembrarmos da letra freudiana. Mas, assim como qualquer outro animal, e discordando do pensamento de John Locke, quando este diz que nascemos “como uma folha em branco,” nascemos com certas características que vão permitir, por exemplo, que aprendamos a linguagem daqueles que nos recebem e que nos rodeiam. Nascemos como uma folha em branco, sim, mas com muitas linhas, pautas, que vão sendo preenchidas com uma escrita influenciada por todos os lados, e não somente por nossa vontade própria e individual. A influência da linguagem, pra resgatarmos o exemplo já mencionado, e que é o outro objeto de comparação da nossa analogia, não vai apenas nos influenciar, mas vai também nos construir e constituir, pra não nos esquecermos, aqui, da letra lacaniana. Somos seres falantes, seres de linguagem, seres atravessados pelas palavras, pelos significantes; seres estes que Lacan categorizou como falasser. Se assim somos feitos de linguagem, somente assim também serão feitos os nossos limites, e tais limites só serão de um tipo: limites de linguagem.

   Os buracos negros são como buracos mesmo, como aqueles que cavamos na terra ou na areia, só que o caminho aberto não é só pra baixo, mas é pra todos os lados possíveis, pra todas as direções desse nosso espaço, com suas tão conhecidas três dimensões. É até difícil de pensar nisso, de descrever essa dinâmica, e é justamente nessa dificuldade de descrever, nessa dificuldade de fazer descrições, o ponto em comum que os buracos negros tem com as nossas linguagens. Assim como eles tem um limite físico a partir do qual nada é passível de resgate ou de fuga, nossas linguagens tem limites lógicos, a partir dos quais uma espécie de muro é erguido. Dou exemplos. É logicamente impossível termos uma ideia verdadeira de um nada absoluto, pois qualquer descrição que possa ser iniciada, já será, ela mesma e imediatamente, alguma coisa. Será, no mínimo, uma palavra, e, sendo uma palavra, seja ela qual for, já deixará de ser absoluto; uma ideia já é alguma coisa.

   É estranho, eu sei, mas é lógico. É quase um paradoxo, mas é um muro, na verdade. Tentamos descrever qualquer coisa, mas, no processo, acabamos construindo essa coisa. Claro que essa construção não se dá imediatamente, e que, entre a ideia e a sua construção, sua manifestação, existe um caminho e um intervalo de tempo, carregados das mais variadas dinâmicas, mas uma ideia é o começo de uma coisa, e a coisa mesma não deixa de ser uma outra ideia. É essa a grande característica que nos diferencia dos outros animais, como vai refletir o grande Marx, nas suas obras: o que nos torna humanos é a nossa capacidade de planejar e agir de acordo, e não de agir apenas por puro instinto. O que nos importa, aqui e agora, é o fato das nossas coisas serem intermediadas por ideias, e estas serem compostas, em última instância, por palavras.

no horizonte da linguagem

   Pra expor e construir a analogia, e sem mais delongas, vamos nos utilizar da ideia da morte. Somos, assim como todos os outros seres, sem exceção, seres vivos dotados de corpos materiais. Esses corpos, que ajudam a compor aquelas linhas, aquelas pautas, sobre as quais serão escritas as histórias das nossas vidas, são capazes de produzirem as mais variadas sensações, e a nossa psique que lute, como dizem por aí, pra encontrar palavras pra serem encaixadas, ou atreladas a essas sensações, ou pra darem nome a elas. Segundo a escola filosófica do grande Epicuro, a morte não é nada, e não deveria nos causar medo. Por quê? Sendo a morte o cessar das possibilidades sensoriais, ou seja: na morte não há possibilidades de se sentir qualquer coisa, inclusive as sensações da própria morte. Não confundamos, aqui, a morte com as dores de um câncer, ou com a falta de ar de um pulmão inundado: a morte acontece depois dessas e de quaisquer outras sensações. A morte é, em si, o cessar de todas as possibilidades sensoriais. Para que sentíssemos a nossa própria morte, precisaríamos estar vivos, e esta condição gera um paradoxo, um limite. A morte existe nas palavras, nos conceitos, mas não existe na prática. Quando a descrevemos, estamos, na verdade, e sem perceber, construindo o seu conceito, que pode não existir na prática, ou ser bem diferente. Somente os cadáveres existem na prática.

   Assim como qualquer corpo que foi aprisionado no horizonte de eventos de um buraco negro, como ilustrado na nossa imagem de capa, a ideia da morte fica indo e voltando na nossa psique, nunca avançando e nem retrocedendo, e sempre mudando de acordo com a época e crenças, como as cores que vemos se movimentar na fina lâmina de uma bolha de sabão. Inclusive, a analogia com a bolha de sabão seria muito melhor se ela não fosse alimentada, inflada de ar, uma única vez. A nossa psique, ao contrário, recebe informações muito mais constantes, por assim dizer, de uma categoria exclusiva de definições chamada de pulsão, que, no meu entender de psicanalista, e nesse contexto, nada mais é do que um instinto revestido de linguagem.

   Os nossos instintos surgem de um corpo, e também no corpo, mas quando se encontram com a nossa linguagem, ganham um embrulho, um revestimento, e nos suscitam, por exemplo, a vontade de comer feijoada. É como se a fome, ao surgir numa quartafeira, devesse ser saciada com feijoada, e, ao surgir num domingo, devesse ser saciada com macarronada. Fome, um instinto, mais quartafeira, uma palavra, igual a feijoada, o objeto de uma pulsão. Fome, o mesmo instinto, mais domingo, uma outra palavra, igual a macarronada, o objeto de uma outra pulsão. E vale notar que, no fim das contas, macarronada e feijoada são palavras. Lembrando que, em contextos psíquicos, uma pulsão pode escolher quaisquer objetos, sob a orientação de quaisquer instintos, como aconteceu com uma jovem sueca, que se apaixonou pelo Muro de Berlim: a nossa psique não se pauta numa ciência exata.

a Singularidade psíquica

   A nossa psique, a nossa mente, é como uma caixinha de mentiras, pois palavras são mentiras. O que há da palavra caneca no objeto caneca? O hábito é tal que nunca nos perguntamos isso, e, nem muito menos, dessa forma. Mas a pergunta é válida e muito instigante. Assim como existe uma distância entre o núcleo de um buraco negro, a sua singularidade, e o seu horizonte de eventos, existe uma distância entre nossos corpos e nossas psiques, sendo estas compostas por palavras. Sem umbigo e nem pequeno a: estamos na borda, somos a borda. A sensação que tenho, e que gostaria de construir na sua cabeça, é que todos nós, todas as nossas respectivas psiques, nossos eus, ou qual nome tiverem, não estão em núcleos coesos e em algum lugar dentro das nossas cabeças ou mentes. Poderíamos, no máximo, dizer que estamos atrás dos nossos olhos. Mesmo sendo essa uma localização bastante propícia e lógica, sua falha, sua incoerência, está exatamente no fato de apontar uma localização física.

   Acredito que esses nossos eus, essas nossas mentes, são os nossos próprios horizontes de eventos, que acabam formando uma ideia de singularidade: enquanto que num buraco negro deva existir um ponto central onde toda a sua massa está concentrada, e com densidade infinita, embora tal opinião não seja geral na própria Física, a nossa singularidade é a própria borda, o próprio horizonte, tendo como centro um lugar completamente vazio, ou seja, não tendo centro. Mais uma vez a analogia com a bolha de sabão se faz útil: ela nada mais é do que uma fina camada de água e sabão, que, envolvendo uma grande quantidade de vazio, se desloca ao sabor dos ventos. Daquele horizonte, o horizonte de linguagem, só podemos extrair palavras e mais palavras, e nada mais, num deslizar infinito de uma palavra a outra, e isso porque, insisto, ele não é composto de outra coisa se não palavras.

   Realmente não sei se consegui me fazer entender com todos esses parágrafos, explicações, e argumentos, mas, sabendo que não se pode ensinar nada a ninguém, como nos lembra o grande Galileu, espero ter construído algo na sua mente, nem que apenas uma fina camada de novas palavras. Afinal de contas, temos nossos limites…

A mulher e o amanhecer

Por Maria Valdeilda Psicanalista

“A Humanidade tornou-se masculina e, no entanto, é masculina. O homem define a mulher não em si, mas relativamente a ele; ela não é considerada um ser autônomo. Ela não é senão o que o homem decide que seja; dai dizer-se o “sexo” para dizer que ela se apresenta diante do macho como um ser sexuado: para ele, a fêmea é sexo, logo ela o é absolutamente. A mulher determina-se e diferencia-se em relação ao homem, e não este em relação a ela; a fêmea é o inessencial perante o essencial. O homem é o sujeito, o Absoluto; ela é o Outro”.
A construção de uma nova identidade, sobretudo feminina, mas comum a todos na exigência da liberdade. Simone de Beauvoir (2009).
Analisando os papeis da mulher no contexto social, podemos encontrar diversas facetas da mulher na contemporaneidade. A imagem do feminino se aproxima da imagem do masculino, buscando flertar. Mas o encontro real da mulher se configura no momento em que a mulher, busca encontrar-se com o seu Eu original. Tarefa difícil essa, em que, o nosso mundo social e complexo alterna constantemente.
É na construção dos seus projetos próprios, com todos os perigos e incertezas que eles possam acarretar, temos em questão o fazer, o construir e o modelar na aquisição da sobrevivência do seu passado. Assim uma renovada mudança nos hábitos e, sobretudo nas conquistas valorativas dará um sentido a sua existência. No entanto, um novo modelo de mulher tanto radical como passiva renascendo das cinzas se concluem.
No segundo sexo, Beauvoir (2009), retrata a mulher no seu apocalipse. O mundo (masculino) apropriou-se do (ser homem) e do neutro ser (humano). Considerando a imagem do feminino como uma particularidade negativa, a fêmia.
A mulher é limitada pelo conjunto inteiro do patriarcado. Acreditamos que estas linhas se torne uma nova página ao enxergarmos um novo amanhecer.

Val Psicanalista – 11-2694 9466
Ref. Livro o Segundo Sexo
Simone de Beuvoir (1908-1986)

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RESENHA DO CAPÍTULO IX A PSICANÁLISE CULTURALISTA DO LIVRO (Re)Visitando Freud

Resenha do Capítulo IX A Psicanálise Culturalista
do livro (Re)Visitando Freud
Autor: Marcos de Oliveira Silva

Por:Maria Helena Rachid

Freud, em seus estudos sobre o indivíduo normal e o neurótico, apesar de haver demon-strado interesse em pesquisar as relações causais entre o indivíduo e a coletividade (atesta isso seu conceito de Superego), utilizou, apenas, o “modelo biológico reflexo” para explicar o surgimento do psiquismo e para entender o funcionamento do inconsciente.

Esse “reducionismo biologizante” é percebido nitidamente na teoria psicanalítica das pulsões, em que a pulsão é o instinto que se desnaturaliza e se transforma em elemento mental. Para Freud, nessa passagem do orgânico para o mental, inicia-se a estruturação da subjetividade humana. Por haver ignorado a influência do meio social na formação da “estrutura pulsional”, não compreendeu o papel da aculturação na formação do caráter do indivíduo.

Já, no culturalismo psicanalítico, dissidência do modelo freudiano, que incorporou conhecimentos da antropologia e da sociologia, as pulsões são moldadas a partir de uma orientação cultural específica e se direcionam inconscientemente a uma meta cultural.

Para os culturalistas, a criança só chega a ser sujeito pela aculturação e não pela evo-lução natural de algo inconsciente, que se torna consciente. A crença na “desnaturaliza-ção dos instintos” é a razão inicial do surgimento do culturalismo.

1. Alfred Adler e o Culturalismo

Alfred Adler, um dos primeiros discípulos a discordar formalmente de Freud, foi, também, o primeiro a demonstrar a importância das relações sociais na formação de nossa iden-tidade.

Minimizou a importância da libido sexual freudiana e considerou a sexualidade muito mais uma manifestação de um impulso insconsciente de poder, do que com objetivos pura-mente sexuais. Para ele, mais importante que a sexualidade da criança era a qualidade relacional vivida por ela em seu meio.

Para Adler, a origem dos complexos são sentimentos de inferioridade não superados no processo de maturação do ego, e não a repressão da libido. Daí a importante contribuição de Adler à psicanálise com o desenvolvimento do conceito de “complexo de inferioridade” – o excesso de mimo ou a falta de afeto geram comportamentos compensatórios anor-mais. Considerava, também, que a neurose e a psicose eram máscaras que encobriam sentimentos de inferioridade.

Em oposição a Freud, demonstrou que o ambiente emocional externo e as condições ma-teriais da criança influenciam determinantemente a formação de nossa subjetividade.

Adler foi influenciado pela visão de Karl Marx, por isso acreditava que as “representações ideativas eram um efeito colateral da materialidade ambiental que cercava o infante desde seu nascimento” e que a vida social é a base fundadora de nossas ideações. Para ele, o sujeito estrutura-se a partir da relação que tem com os objetos mundanos, que são signifi-cados valorativamente.

A partir dessa visão estruturalista, percebeu que nossas certezas e verdades não passam de “ficções condutoras” – sistemas orientacionais criados pelo próprio ser humano, que, muitas vezes, se prestam ao papel de ideologias de dominação.

Por sua percepção intuitiva à frente de seu tempo, desmentiu a crença da “inferioridade da mulher”, que, segundo ele, era apenas uma criação destinada à dominação. Demon-strou que diferença é apenas diferença e não inferioridade e que a “inveja do pênis”, con-cebida como inata por Freud, é uma crença de inferioridade gerada pela sociedade patri-arcal.

Adler reconheceu a existência de um instinto agressivo, que em essência era neutro, mas ajustado à cultura, podia se tornar uma ânsia de domínio ou vontade de poder – “volição existencial orientada culturalmente”.

2. O Culturalismo Psicanalítico

Em função da guerra e do nazismo, a maioria dos psicanalistas deixou a Europa e radicou-se nos Estados Unidos e Inglaterra, tornando-os os maiores centros psicanalíticos da época, que se desenvolveram independentemente um do outro.

Contribuíram para o surgimento do culturalismo o médico psiquiatra Harry Stacy Sullivan, o filósofo social Erich Fromm, o mais significativo, e a clínica geral Karen Horney.

3. Sullivan e sua Análise Interpessoal

Sullivan, que foi grandemente influenciado por Freud, entre outros brilhantes teóricos, não acreditava num “verdadeiro eu”, como essência pura, mas sim numa essência criada a partir da interação com nossa base social. Entendia a personalidade como “um padrão, relativamente constante, de situações interpessoais periódicas que caracterizavam a vida humana”. Para ele, só conseguimos estudar o “eu” a partir do comportamento interpes-soal.

Discordava da visão instintivista de Freud e acreditava que o indivíduo é a soma de suas relações interpessoais e sua identidade é fruto de variadas identificações e que, dentro de cada um, há um discurso composto por “várias vozes” assimiladas durante a vida.

Fundamentalmente, Sullivan acreditava no aspecto plural e inacabado da pessoa hu-mana, ou seja, somos construídos e colaboramos na construção dos demais. Como Adler, entendia que somos animais sociais e mesmo aspectos fisiológicos acabam por se adaptar aos modos socializados de funcionamento.

4. A Empatia no Processo de Aculturação

As metas do comportamento humano, para Sullivan, visam duas principais necessidades básicas do ser humano: a busca constante de satisfação (necessidades biológicas) e a busca consciente e inconsciente por segurança (natureza cultural). A busca por se-gurança está associada a pertencimento, a ser aceito e participar de algo maior.

Sullivan propõe a montagem empática do eu. A doutrinação da criança acontece empiri-camente de forma mais indireta do que direta. A empatia é uma abertura para a mod-elagem social – o que é aprovado causa bem-estar, o que é reprovado leva a inse-gurança. Ao se desenvolver, a criança será ensinada a se focar na prática do que suscita aprovação.

O que suscita reprovação é dissociado do campo mental consciente. A terapia serviria, então, para conscientizar o paciente de seus aspectos rejeitados. Como somos fruto da cultura, toda tentativa de mudar crenças gera ansiedade e corre-se o risco de substituir uma crença por outra.

5. Personificações

Personificação é a imagem que criamos de nós mesmos ou dos outros. Sullivan entendia personificação como um complexo de sentimentos, atitudes, ideias e sensações que cap-tamos em diferentes experiências interpessoais.

As relações interpessoais podem nos trazer satisfação e gerar personificação positiva de quem provoca a satisfação, ou podem gerar insatisfação e levarem a personificação neg-ativa de seu agente.

Uma criança bem cuidada pela mãe terá um sentimento de bem-estar, já o contato com uma mãe ansiosa, odiosa, desinteressada ou super protetora provocará sentimentos in-desejáveis que podem levar a criar personificações complexas, que abalarão o senso de segurança e provocarão aumento do nível da ansiedade de desamparo.

Segundo Sullivan, tanto as personificações boas, como as más, podem provocar “distor-ção paratática” (semelhante ao conceito freudiano de transferência). As imagens que carregamos internamente não correspondem necessariamente à realidade. Essas distor-ções ocorrem a partir de intenções que desconhecemos. Com o aumento do nível de an-siedade, produzimos imagens falsas e as projetamos nas pessoas, personificando ora “anjos”, ora “demônios”.

6. A Linguagem e o Eu

A linguagem é um sistema, que utiliza signos, fundamental para a comunicação humana. Além disso, a linguagem é instrumento do pensamento e permite abstrair, criar um uni-verso simbólico e todos os conceitos.

Para Sullivan, a linguagem é um fenômeno essencial na formação humana. Daí sua maior contribuição à psicanálise moderna: as relações sutis entre o eu e a linguagem.

Quando a criança é inserida no sistema línguístico, Sullivan diz que se inicia um fenômeno chamado autística, em que a criança aprende a pensar não a partir do sensível, mas, sim, a partir do “consenso”, por isso nosso conhecimento representa os elementos produzidos pelo nosso saber, que é sempre arbitrário.

Assim, a autística é um aprimoramento na atividade simbólica da criança pela educação. Por esse processo, ela vai percebendo que será reconhecida à medida que se curve aos padrões mais cultos de linguagem.

No início de sua vida, a criança tem atividades símbólicas mais pessoais, quanto mais é “adestrada” vai se “conformando” com a “realidade dos adultos”. Sua maior ou menor “conformação”, resultará em premiação ou castigo.

A experiência línguística vivenciada pela criança é uma experiência de aceitação. O modo sintático de experiência corresponde, para Sullivan, ao estágio em que a criança já conse-gue elaborar sínteses, já consegue entender e transmitir certos conceitos e valores. Essa é a razão pela qual torna-se um forte instrumento usado para diminuir e controlar a an-siedade, mas nem sempre esse recurso tem efeito. Sullivan concluiu que, sempre que a ansiedade é muito forte, há uma regressão ao modo paratático da experiência (anterior ao modo sintático), o que leva à desestruturação do plano lógico do indivíduo.

7. Uma Mulher muito Corajosa

Freud acreditava que a libido sexual era uma energia eminentemente masculina e que a angústia da castração no menino era positiva, pois ele superava o complexo de Édipo, enquanto que, na menina, provocava um sentimento de incompletude, que resultava na “inveja do pênis”. De certa forma, essa teoria apontava para a visão de que a masculini-dade era natural e a feminilidade uma decepcionante descoberta. Vários psicanalistas secundavam Freud nessa crença.

Karen Horney, corajosamente, questionou essa visão falocêntrica e, embora Adler já houvesse colocado em dúvida a constituição inata da “inveja do pênis”, foi ela quem sistematizou uma teoria contrária. Inicialmente, baseando-se em pressupostos biológicos, tentou provar que o que chamou de “feminilidade inata” não dependia do complexo de Édipo, mas a ligação da menina com o pai no Édipo era um desenvolvimento normal e lig-ado à “feminilidade inata”.

Mas a fundamentação biológica não foi suficiente para contraditar completamente a teoria da “inveja do pênis”. E, desesperadamente, em 1926, Horney contra argumentou que havia fantasias que indicavam uma “inveja masculina” do ventre.

Somente a partir de 1930, Karen Horney foi abandonando a fundamentação biológica para explicar alguns fatos psíquicos e reformulou suas teses a partir do paradigma cultur-alista.

Daí, aproximou-se das teses defendidas por Adler e passou a entender a “inveja do pênis” como uma inveja fálica em função dos privilégios do homem no sistema patriarcal.

Em um trecho de seu livro Novos Rumos na Psicanálise, Horney esclarece que “o desejo de ser um homem, como assinalou Alfred Adler, pode ser a expressão de um desejo de possuir aquelas qualidades ou privilégios que, na nossa cultura, são considerados como masculinos: força, coragem, independência, sucesso, liberdade sexual e direito de es-colher um companheiro.”

Considerando que, de fato, algumas mulheres demonstram uma inveja fálica, entende tra-tar-se de sintoma neurótico e não de um traço comum da constituição feminina.

Acredita, também, concordando com tese de Adler, que a inveja do pênis é construída culturalmente em função da discriminação que a mulher sofre, portanto,

querer ser homem é uma forma simbólica de mostrar que quer ser valorizada por ser hu-mana.

Horney aceita a tese de que algumas mulheres vinculam sua feminilidade a traços masoquistas, mas entende que isso não é característica de todas as mulheres e sim uma manifestação neurótica (“ser mãe é padecer no paraíso”).

A ligação biológica entre sexos opostos, na visão de Horney, é mediada por anseios cul-turais inconscientes. Então, pelas características da sociedade patriarcal, a mulher passou a supervalorizar o amor e acreditar que a única forma de realização era a materni-dade.

Com o amadurecimento de sua visão, Horney foi se aproximando ainda mais de Adler e, como ele, passou a entender a “meta masculina” como uma “ficção condutora”. Percebeu, também, que nossa tendência inconsciente de naturalizar o que é cultural, dá susten-tação a nossas neuroses.

8. As Bases Culturais das Neuroses

Horney, com a evolução de suas teorias, pôs em dúvida também as bases biológicas das neuroses. E, em seu livro A Personalidade Neurótica de nosso Tempo, apresenta a dis-tinção entre a maneira normal e a neurótica de reação. Para ela, as condições de vida em todas as culturas ocasionam medos de várias origens (perigos externos, relações sociais, oposição a tradições culturais). Todos vivenciam esses medos. O neurótico, no entanto, por circunstâncias específicas de sua vida, tem um medo mórbido e paralisante, atual-izado no “real”e não causado efetivamente por situações reais.

O indivíduo normal teme reativamente, o neurótico desenvolve medo irracional, compul-sivo, cujo conteúdo é uma mescla de sentimentos. O neurótico se perde em seu sofri-mento, se prende ao passado e chega a idealizar a morte.

Para Horney, o medo marca nosso contato com a existência e está ligado ao nosso ato racional discriminativo. Por isso, para ela, enquanto uma pessoa normal mantém sua coesão egóica, face aos medos, o neurótico evolui em seu quadro destrutivo e não se desenvolve como ser humano.

Adler e Horney acreditavam que uma vida insatisfatória na infância influenciava grande-mente a configuração da personalidade neurótica.

Ainda sob influência da visão freudiana de inconsciente filogenético, Melanie Klein de-fende uma teoria sexual de característica inatista, em que algumas afecções psíquicas são causadas por um “saber vago e confuso” que preexiste na mente da criança. Essa concepção foi vivamente questionada por Adler.

É importante destacar que o culturalismo aprofundou tal discordância e superou deficiên-cias da tese adleriana, organizando uma competente meta-teoria, baseada no paradigma existencialista em substituição ao paradigma anatomo-fisiológico.

Nesse novo modelo “para o indivíduo “ser” necessariamente terá que “fazer”. Sua ação dialética no mundo produz conhecimento (fruto da cultura), que, por sua vez, produz o

produtor. No entanto, não há conhecimento isento e a intenção de todo conhecimento produzido é adequar a uma lei ou ordem ideal.

Para Horney e demais culturalistas, não é o complexo de Édipo de teor sexual que dá ori-gem à neurose, mas sim circunstâncias desfavoráveis na vida da criança, ou seja, os tra-ços neuróticos não são herdados, mas sim construídos. Segundo Horney a causa das neuroses é a incapacidade dos pais de reconhecerem e atenderem as necessidades das crianças.

Pelo exposto fica claro que o psicanalista moderno precisa ampliar sua visão sobre seus pacientes, levando em conta aspectos relacionais como dinâmica familiar, relacionamen-tos profissionais e afetivos e crenças e não focar, exclusivamente, na “corporeidade pul-sional”.

O VALOR DA EDUCAÇÃO AFETIVA

Por: Maria Valdeilda
Orientadora Educacional e Psicanalista

Segundo a teoria Psicanalítica o ser humano é um subproduto das variadas relações que lhe sucedem desde seu nascimento e, segundo esta ótica analítica, as primitivas relações que marcam sua infância seriam as mais significativas para formação de seu caráter.

Os pais como agentes primários deste importante processo de montagem interpessoal, são os elementos mais importantes para que haja uma satisfatória adaptação do novo sujeito em formação. Em linguagem técnica dizemos que a criança precisará “internalizar de forma positiva” as imagens de seus pais, ou, dizendo isso de outra forma, a vinculação fortemente afetiva que uma criança vivencia junto aos seus pais lhe confere um forte senso de autoconfiança. Assim, ao aprender confiar em seus pais, o infante passa à intimamente confiar em si próprio.

Ainda segundo a psicanálise, cada um dos pais influencia um aspecto importante da personalidade em formação. A mãe é o símbolo maior da vida afetiva, por isso, sua presença é vital para o equilíbrio emocional da criança. O pai é o símbolo da relação que a criança deve ter com o mundo externo, com sua presença afetiva é o elemento que dá acesso à lei, sua imagem é a representação da necessidade racional de se vincular a uma certa normatividade externa.

Infelizmente, nossa vivência social é fortemente marcada pela dissolução familiar, cada vez mais mães solteiras são obrigadas à cumprir a dupla função materna e paterna. Logicamente, nem sempre o esforço feito pela mãe em suprir o modelo paterno dá resultado. A mesma, por força de uma necessidade óbvia (a ausência da figura masculina no lar), acaba por ter que se ausentar por muito tempo visando sustentar economicamente a família. Essa lacuna relacional, quando muito prolongada, traz consequências extremamente negativas.

Uma Pesquisa recente divulgada pela antiga Fundação Casa (Antiga FEBEM), revela as consequências funestas da desestruturação familiar. A mostragem em questão insinua que há uma forte ligação entre a ausência da imagem paterna e o ingresso precoce na criminalidade.

A referida pesquisa revela que em São Paulo 51% dos menores infratores internados nas unidades da Fundação Casa não conviviam com o pai. Também, a mesma pesquisa estabelece estatisticamente que a grande maioria dos menores infratores são do sexo masculino.

No caso das meninas, um levantamento feito pela Casa do Adolescente, órgão governamental que oferece orientação sexual aos jovens, estima que cerca de 80% das garotas atendidas pelo projeto foram abandonadas pelos parceiros antes do nascimento do bebê e, grande parte dos que permaneceram juntos com as parceiras por mais tempo, nem sequer visitaram a criança na maternidade.

Lamentavelmente, as famílias mais pobres são as mais atingidas e a desestruturação em série acaba por perpetuar a ausência do modelo paterno, desembocando, quase sempre, na delinquência infantil e na criminalidade.
Ainda no estudo supracitado, temos também a indicação que é cada vez maior a participação de jovens da classe média envolvidos com a marginalidade, dado este que justifica a ideia de que não é propriamente a pobreza o elemento principal na delinquência Juvenil (embora seja incontestável que tal situação socioeconômico é um elemento agravante), mas sim, a carência afetiva sentida nessa fase tão importante para montagem pessoal.

O próprio estilo capitalista é o maior fomentador da crônica desestruturação familiar contemporânea. É cada vez mais comum recebermos em nossos consultórios pais desatentos (para não dizer apáticos) em referência a educação familiar. Os mesmo estão muito interessados em sua “realização profissional”. Buscam uma insaciável estabilidade econômica para consumirem todas as mercadorias oferecidas pelo sistema, e, paradoxalmente, essa ânsia por um reluzente sucesso econômico acaba por enfraquecer às relações afetivas. Por fim, as famílias ficam cada vez mais ricas e estáveis financeiramente é contraditoriamente cada vez mais pobres e vazias afetivamente.

É verdade que às vezes a separação é inevitável. Entretanto, o fato dos pais não conviverem juntos não justifica a ausência afetiva de qualquer um dos dois (ou, pior, dos dois) na educação familiar. O processo de socialização primária realizado no âmbito familiar é crucial para estabelecer às bases normais da personalidade considerada estável e produtiva.

Escolher educar afetivamente nossos filhos é muitas vezes um contra senso com a lógica vigente. Ao escolhermos devotar mais tempo e afetos aos que nos são caros, muitas vezes perdemos dinheiro e valiosas oportunidades de ascensão profissional. Porém, toda escolha existencial implica em certa “perda”, assim, o que devemos mensurar é o que consideramos subjetivamente de maior valor.
Orientadora Educacional e Psicanalista

 

 

A MULHER E A LIBERDADE

Por Maria Valdeilda
Orientadora Educacional e Psicanalista

Para que a vida continue e recupere a direção correta, é necessário e indispensável que a mulher encontre seu lugar na história, tornando-se consciente de um tempo histórico que se perdeu irremediavelmente para sempre, ficando oculto, por causa deste apagamento, todo prejuízo evolutivo sofrido.

Acredito que a compreensão do tema da liberdade é fundamental conceitualmente à mulher, tal entendimento pode proporcionar um compromisso maior com a realidade, afinal, conhecimento é poder.

Entre os maiores pensadores da época, imperava a ideia de que a mulher, ser inferior, precisava ser integrada à sociedade e submetida a uma ordem masculina pré-estabelecida. Mesmo antes de Pitágoras (571 a.C), o grande filósofo e matemático, já definia a origem dos gêneros dessa maneira: “Há um princípio bom que criou a ordem, a luz, o homem, e um princípio mau que criou o caos, as trevas, a mulher”.
Neste caso quando se tratava da força e do poder, as mulheres eram ignoradas. E por muitos séculos a “liberdade”, não era privilégio nosso. E por muitos séculos a mulher recebeu como herança do homem a ideia central de existir somente para “amar”.

O medo de buscar a liberdade “plena” forma o verdadeiro cárcere de pensamento onde as mulheres vivem a solidão a dois.

Erich Fromm em seu livro o Medo a Liberdade nos posiciona a pensar que há um círculo inescapável, que leva da liberdade a uma nova dependência? Será que a emancipação de todos os vínculos primários deixa o indivíduo tão isolado e sozinho que inevitavelmente tem de fugir para o novo cativeiro? Será que independência e liberdade são a mesma coisa que isolamento e medo? Ou haverá um estado de liberdade positiva em que o indivíduo exista como um ego independente e, no entanto não esteja isolado, e sim unido ao mundo, aos outros homens e a Natureza.
Segundo as palavras de Erich Fromm, devemos acreditar que há uma solução positiva, que a marcha da “liberdade” crescente não constitui um círculo vicioso e que tanto o homem como a mulher podem ser “livres”, e sem embargo não ser solitário, crítico e nem por isso cheio de dúvida. Esta liberdade pode ser alcançada pela realização do seu ego? Filósofos idealistas acreditam que a realização individual só pode ser conseguida através da “percepção intelectual”.

Ao estudarmos sobre a mulher e a liberdade, acreditamos que uma revolução intelectual, manifestada a partir dos valores presente em toda a nossa sociedade faz a diferença na vida de cada mulher . Nossa “vontade de liberdade” depende da vontade do outro e mesmo assim a vontade de “liberdade do outro” pode depender também da “minha vontade”.

Os relacionamentos humanos estão limitados pelas Leis existenciais do “devir” tudo que está no universo se transforma e a liberdade se conquista. A mulher e a liberdade na nossa contemporaneidade transcenderam seus valores sociais e para além desta transcendência a mulher tem hoje, a força e o poder que o passado lhe tirou. Por mais que encontramos mulheres prisioneiras do seu próprio destino, cabe lembrar que pode ser por uma questão da vivência negativa que elas receberam na formação de sua cultura identitária de que liberdade é algo “perigoso” e que foi internalizado deste muito cedo na mente de nossas pequenas meninas. A geração se refaz entre 15 e 30 anos de acordo com a cultura do grupo. E a cada período entre uma geração e a anterior, podem ocorrer diversas possibilidades em que a mulher se choque contra tudo e contra todos em pró da conquista, de sua própria liberdade.

A aceitação dos diversos desafios é conflitante na rotina da mulher. Devemos revolucionariamente buscar nossos recursos internos, para depois, podermos criar uma mente revolucionária e lutar por nossa liberdade. Ainda encontramos mulheres que estão dentro da caixa da vulnerabilidade. Teremos que começar a investir no diálogo na construção de muitas ideias e não na agressão contra o outro. A verdadeira revolução da mulher em busca de sua liberdade se faz dentro do seu “Eu” primeiramente. Para finalizar nossa leitura deixo uma reflexão pertinente para as nossas leitoras: “ A minha liberdade e o meu valor hão de morrer junto com o meu Eu”. Será que a mulher contemporânea, está preparada para encarar a liberdade “plena” sem se comprometer com a dor?

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LACAN E A SUA FASE DO ESPELHO

Freud chama a constituição do narcisismo de “nova ação psíquica” Freud (1989), assim, a partir do estabelecimento interno de uma “autoimagem”, o ego é sentido pelo sujeito como um núcleo ideacional, ou, em outras palavras, o sujeito se identifica com a própria imagem.
Porém, o ato de criação dessa autoimagem, não ocorre pela força de organização do sujeito; uma ação subjetiva externa tem grande peso nesse processo.
Lacan, baseando-se em algumas das ideias mais fecundas do sistema freudiano, fixa esse momento de intersubjetividade, como o momento decisivo de criação do eu, nesse sentido, “Ser-Para-Outro” é a verdadeira razão de nossa constituição subjetiva.
Ele contextualiza o termo “alienação”, como um designativo, de um fenômeno básico, para que ocorra a formação de nossa existência pessoal. Projetar-se num “Outro” é, para Lacan, a condição básica para a nossa humanização. Dessa maneira, não há ego sem a mediação do Outro.
Em seu texto O Estádio do Espelho Como Formador do Eu Tal Como Nos é Revelada na Experiência Psicanalítica, o analista francês explicou da seguinte maneira sua concepção:
[…] o filhote do homem, numa idade em que, por um curto espaço de tempo, mas ainda sim por algum tempo, é superado em inteligência instrumental pelo chimpanzé, já se reconhece não obstante como tal sua imagem no espelho. […] logo repercute, na criança, uma série de gestos em que ela experimenta ludicamente a relação dos movimentos assumidos pela imagem com seu meio refletido, e desse complexo virtual com a realidade que ele reduplica, isto é, com seu próprio corpo e com as pessoas, ou seja, os objetos que estejam em suas imediações (Lacan, 1998, pp. 96-97).
Para Lacan, o autorreconhecimento de sua imagem refletida por uma superfície externa, constitui-se como o mais significativo elemento de diferenciação entre o “filhote do homem” e os outros animais.

Ao ver-se no espelho e, ao identificar-se com a imagem dinâmica que se apresenta como seu “duplo”, a mesma é internalizada como um referencial interno do “Si- mesmo”.
Porém, a palavra espelho, neste contexto conceitual, não deve ser aplicada apenas em seu sentido literal. Por se tratar de uma metáfora, o verdadeiro espelho em questão é, um outro termo, para noção freudiana de identificação primária, processo pelo qual, o eu fixa-se através da identificação à imagem do semelhante. É por isso que Lacan explicou que podemos:
[…] compreender o estádio do espelho como uma identificação […] a transformação produzida no sujeito quando ele assume uma imagem — cuja predestinação para esse efeito de fase é suficientemente indicada pelo o uso, na teoria, do antigo termo imago (Lacan, 1998, p. 97).
Ao dizer que o sujeito “assume uma imagem”, Lacan faz referência à noção de incorporação da imagem do Outro, porém, articula esta noção a partir do campo do escópico. Ao internalizar a imagem estruturada do Outro, essa imagem internalizada, torna-se um elemento estruturante, ou seja, a criança se reconhece no “espelho gestáltico” do corpo completo da mãe.

É neste contexto que a comparação que Lacan faz entre a criança e o chipanzé, ganha verdadeira relevância. Apoiando-se nos dados oferecidos pela Embriologia, Lacan ressalta que, embora o filhote humano não tenha condições neurológicas para exercer controle motor sobre o seu próprio corpo, não podendo assim, coordenar seus movimentos, após o seu sexto mês de vida, já é capaz embrionariamente de reconhecer-se no espelho.
Prof. Marcos de Oliveira / Trecho extraído do livro REVISITANDO FREUD – As Interfaces Contemporâneas da Psicanálise / Compre online ou fisicamente na livraria Martins Fontes

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COMPRO, LOGO EXISTO

Autor: Professor Me. Marcos Oliveira

Do ponto de vista acumulativo a sociedade moderna vai muito bem. As formas rudimentares de produção, foram substituídas por novas formas de produção em massa. Daí, ser possível afirmar que nunca na história humana produzimos e consumimos tanto como em nossos dias.

Porém, do ponto de vista moral, tal evolução tecnológica para o consumo pode ser fortemente questionada, pois à medida que a sociedade consumista se enriquece de capital, vemos cada vez mais em seu seio o recrudescimento de manifestações de agressividade, inveja, ódio e racismo, para citar apenas alguns dos frutos colhidos em nossa época.

Paradoxalmente, mesmo com todo o capital que flui e é gerado, o ser humano parece estar cada vez mais longe do estado de felicidade prometido pelo nosso moderno e científico “estilo de vida”. Por que será que em meio a tanta riqueza e evolução científica o homem ainda não é feliz?

A própria pergunta traz embutida a resposta. Só podemos atingir a verdadeira felicidade, desenvolvendo nossas muitas qualidades humanas, quando aprendemos “ser” renunciamos a ânsia de “ter”, fazendo isto nos distanciamos do valor das coisas e aprendemos valorizar aquilo que é humano.

Dentro do regime consumista, todos são avaliados de acordo com suas posses, ilusoriamente “ter” é confundido com “ser”, assim o ajustado pensa que existir é sinônimo de possuir. Porém, é importante ressaltar que à vontade de possuir coisas materiais dentro da visão neurótica atual esconde um elemento muito importante e, justamente esse elemento é à base de grande parte de nossos desconfortos existenciais.

Ao comprar indiscriminadamente e consumir como um louco, o indivíduo tenta ser “amado” através do objeto comprado, no fundo o neurótico não compra meramente o “objeto”, compra mais a “carga de fantasia” projetada no objeto.

Para ilustrar o que quero dizer, ofereço um simples e direto exemplo: Se fossemos leiloar uma caneta normal quanto conseguiríamos arrecadar? Certamente não mais do que alguns centavos. E se tal caneta fosse anunciada como a caneta predileta usada pelo renomado e falecido cantor Elvis Presley? Após tal informação sem dúvida nenhuma uma quantia incomensuravelmente maior do que o valor de fato seria arrecadado. Nesse exemplo, a caneta é supervalorizada por ter pertencido a uma celebridade. Portanto, não é o objeto e sim a “carga de fantasia” projetada sobre ele que faz a diferença.

Ainda sobre o exemplo da caneta, a verdadeira razão pelas quais alguns dariam tudo para tê-la, aparece implícita, disfarçada de inofensiva excentricidade. Quem compra a caneta do cantor Elvis Presley, pensa inconscientemente comprar o próprio Elvis Presley, ou para sermos mais exatos, o que ele representa como símbolo Pop.

Como ídolo Pop tal cantor é muito desejado, e aquele que hipoteticamente viesse a possuir uma coisa desta celebridade, usufruiria (pelo menos no campo das fantasias internas) parte de seu prestígio e fama, seria amado em transferência por todos que veneram e consideram importante o famoso cantor.

No fundo, o comprador deseja fortemente ser desejado e amado por muitos, para conseguir isto, utiliza uma estratégia mercantilista que dá suporte a doce ilusão de existir a partir do desejo do outro. Na teoria de consumo a manipulação do “desejo” humano e sua conseqüente utilização com finalidades comerciais, configuram uma das razões básicas para o sucesso expansionista da sociedade de consumo.

Aquele que compra um bonito carro importado, certamente não o faz pelo seu valor utilitário, inconscientemente visa na verdade despertar o desejo alheio, pensa em ser amado e desejado através daquilo que possui materialmente.

Toda estrutura consumista do atual sistema de coisas fomenta em grande escala a ilusão de “ter” para ”ser”, e à medida que os indivíduos se enchem de mercadorias, vão ficando cada vez mais vazios no sentido existencial.

A mensagem implícita por trás das diversas propagandas do atual sistema de consumo é a de que, se o vivente consumir suas infinitas mercadorias, terá assim encontrado o antídoto perfeito para o seu tédio existencial. Tal oferta, na verdade, é um engodo, pois o estratagema do “sonho de consumo” só favorece os mecanismos de fuga pautados nos “deslocamentos” e “projeções livres” do indivíduo neurotizado.

Fica evidente que à vontade de consumir muitas vezes está além da racionalidade. Podemos dizer que, de forma generalizada, é o viciado quem faz o vício e não o vício o viciado. Nos diversos vícios e manias da modernidade, escondem-se projeções inconscientes que acabam por revestir, enganosamente, as fabulosas mercadorias do sistema. Quem toma um “banho de loja” num badalado shopping pode, na verdade, estar usando desse excesso de consumo como um meio de evitação para não realizar uma reforma no seu mundo interno; é mais fácil “trocar de camisa” do que trocar certos aspectos indesejáveis da personalidade. Ao mesmo tempo, ao ser visto comprando sente-se poderoso e, portanto, desejado pelos outros, assim, nega-se sentimentos internos de insignificância e de inferioridade, e, às expensas desses recursos fantasísticos, cria-se uma prazerosa ilusão de reconhecimento.

Certamente foi tal constatação, que fez Freud escrever:

 

“É impossível fugir à impressão de que as pessoas comumente empregam falsos padrões de avaliação, isto é, de que buscam poder, sucesso e riqueza para elas mesmas e os admiram nos outros, subestimando tudo aquilo que verdadeiramente tem valor na vida”. (Freud, 1974, p.73)

 

O neurótico tenta, pela via do consumo, existir e ser aceito como pessoa, pois suas compras não são utilitárias, mas sim uma manifestação da pobreza de seu universo interno, fator esse que lhe obriga constantemente a recorrer à riqueza e à opulência do mundo externo. Se o que comprou perde sua função como símbolo de status ou de investimento de seu capital, fica desesperado e, por vezes, muda drasticamente seus conceitos estéticos e empresariais. Uma consciência autoritária e invisível obriga o neurótico a se ajustar às modas e manias passageiras, cria internamente terríveis incertezas que acabam sendo usadas pelo sistema como armas de controle e manipulação ideológica.

Tentando fugir de suas dúvidas existenciais, o dominado acaba por comprar “certezas falsas”, o que o leva a um processo progressivo de desumanização e, por fim, o neurótico acaba sendo “coisificado” pelo sistema de consumo, tornando-se desta maneira, mais uma mera mercadoria da sociedade capitalista.

 

Prof. Marcos de Oliveira

 

Bibliografia

FREUD, Sigmund. O mal estar na civilização. Rio de Janeiro, Imago, 2002.

A VISÃO DE HOMEM EM FROMM

Autor: Wagner Amodeo

 

A visão de Homem em Fromm Resenha realizada para o Curso de Formação em Psicanálise da SBPH

O presente trabalho foi elaborado a partir do artigo “O conceito frommiano do Homem” do Prof. Marcos Oliveira. Utilizaram-se outras referências de Erich Fromm indicadas ao final deste trabalho.

SOBRE O ARTIGO

O autor demonstra os principais conceitos de Erich Fromm sobre a concepção culturalista e humanista do homem. Através de citações de Fromm e de seus próprios comentários, busca contrapor, para esclarecer, as teorias de S. Freud e Fromm, sobre o homem em suas origens ontogênicas e filogênicas. Destacando que Erich Fromm não contradiz os princípios básicos da psicanálise, antes amplia o que Freud já vislumbrava em s

ua segunda tópica.

RESENHA

O artigo ressalta que apesar de Freud conjeturar a importância da cultura, da sociedade, na formação do homem (inclusive o conceito do “superego” é dependente dessa concepção), ele permanece atrelado a uma visão fisiologista e mecanicista, especialmente quanto à libido, fundamento de sua teoria psicanalista. Serão outros psicanalistas como Adler, e no caso em foco, Erich Fromm, que caberá uma revisão crítica e um redirecionamento dessas propostas iniciais. Fromm não negará a importância instintual, e pulsionais, dos desejos sexuais, e do mesmo modo, enfrentará o conceito chamado “desejo de morte” (Tanatos em oposição a Eros), entretanto fornecerá uma visão mais humanista e social a essas pulsões.

Fromm defende não existir qualidades boas ou más inatas no ser humano. Propõe, sim, existir uma agressividade instintual na natureza humana, condição de sobrevivência, mas será a aculturação a responsável pelo direcionamento desse instinto para o “bem” ou para o “mal”, ou seja, para um espírito construtivo ou destrutivo. Esse direcionamento estruturado forma um sistema orientacional que Fromm denominará como caráter biófilo ou necrófilo, respectivamente.

Essa estrutura de caráter é parcialmente fixa e formada na infância. O que implica deduzir que ainda poderá ser alterada, mesmo que não o seja totalmente.

A visão frommiana indica um ser, que ao desejar ser plenamente livre em seus instintos é contido por seu caráter. O homem é um ser situado, não “flutua livre”. Para Fromm, a liberdade é tomar consciência de sua contingência, é entender suas limitações e possibilidades de desenvolvimento apesar de parcialmente contido.

Se essa consciência inexiste, ele se frustra e ao estar frustrado se desumaniza, sente-se impotente e poderá desenvolver uma destrutividade compensatória. A consciência de seus limites é que o tornará humano e que lhe fornecerá forças para buscar outras formas de desenvolvimento, modos criativos e construtivos, individualmente e coletivamente.

Essa visão em Fromm que o distancia, sem se contrapor, as teorias freudianas. Retira, sem anular, a importância do instinto, que são as bases orgânicas, e releva as bases sociais na formação do caráter, em uma espécie de requalificação das pulsões.

Com isso será possível, mais do que qualquer outro pensador, estabelecer uma ponte de aproximação entre Freud e Marx. Tornar o homem consciente da história social pré-existente, de sua própria história individual e, simultaneamente, gerando condições para a transformação de uma história futura. Permite, a partir de um entendimento do indivíduo, incluir a compreensão da formação dos valores coletivos e abarcar igualmente o sentido contrário.

Defini-se essa visão humanista como sócio-biológica e abre-se o campo para uma possível sócio-análise.

A “cura” para a destrutividade compensatória será o desenvolvimento do potencial criativo e construtivo com muitas implicações nos sistemas educacionais dos núcleos familiares aos institucionais.

Esse ser consciente e criativo, buscando seu desenvolvimento e contribuindo ao bem-estar coletivo é o ser produtivo. Sempre que a sociedade, em especial a atual sociedade de consumo, embotar o desenvolvimento desse potencial criador e, portanto, também, a possibilidade da reflexão crítica, estará gerando situações neuróticas e destrutivas.

No dizer frommiano os homens, e a sociedade, estarão desumanizando-se e tornando-se seres autômatos, “coisificando-se”. A necessidade atual de constante ocupação no consumismo e nos entretenimentos demonstraria a demanda para não perceber a solidão existencial. Essa situação levará o homem a destruir-se, incluindo-se possíveis conflitos bélicos de grandes proporções (há de se lembrar o contexto da Guerra Fria de quando foram produzidas as principais reflexões de Fromm).

Fromm não descreve o ser humano como bom ou como mal intrinsecamente. Diz que todos possuem qualidades, ou momentos, de maior destrutividade ou construtividade, contudo pende para a possibilidade de uma sociedade mais cônscia e harmoniosa que inevitavelmente levaria a substituição de um caráter social necrófilo, atualmente preponderante, para outros valores mais construtivos que colaborariam para uma sociedade mais justa e harmoniosa.

Antes que essa posição possa ser taxada e diminuída com uma acusação de romântica e de exacerbada utopia na construção de um novo sistema social, ou de ser, ao contrário, uma posição pessimista que só vê manipulação e destrutividade na atual sociedade, será o próprio Fromm que indicará as possibilidades da “descoisificação” da vivência humana, tornando o homem potencialmente desenvolvido e capaz, portanto, de escrever a sua própria história, individualmente e coletivamente. Um homem capaz de decidir livremente.

Fromm pode ser um idealista com consciência da realidade, utópico não, pois demonstra as possibilidades reais dessa possível transformação. Pessimista nunca, pois todo humanista é necessariamente otimista, e indica os caminhos da construção desse homem através da construção de uma visão crítica, reflexiva, criativa, produtiva, onde a psicanálise passa a ser relevante protagonista na compreensão da individualidade, no autoconhecimento, concorre simultaneamente para a condição única e transformadora da sócio-análise.

Bibliografia consultada

FROMM, Erich. A descoberta do inconsciente social. Tradução: Lucia Helena Siqueira Barbosa. São Paulo: Ed. Manole, 1992.

—. Ter ou ser? 4ª. Tradução: Nathanael C. Caixeiro. Rio de Janeiro: Ed Guanabara, 1987.

OLIVEIRA, Marcos. “O conceito frommiano do Homem.” São Paulo: SBPH.

NOVOS HORIZONTES EPISTEMOLÓGICOS NA PSICANÁLISE

Autor: Leonor Pajaro Grande Ferreira

 

Há um encadeamento lógico entre esses itens, que parte da ontogenia ou ontogênese, importante processo de desenvolvimento e organização do ser humano, o qual é analisado, em seguida, em sua capacidade de produzir cultura, de transformar o meio ambiente em que vive e, simultaneamente, de se auto-transformar; na seqüência, o autor trata de como ocorre e se constitui o processo identitário, trabalhando conceitos importantes, especialmente o de filtros sociais e de inconsciente social, sendo este fundamental para a compreensão do item que se segue. Nele o autor trata da forma material, concreta na qual esse inconsciente social se expressa, ou seja, da estrutura ideofísica da sociedade. Concluindo este encadeamento que vai do particular ou individual para o geral ou coletivo, há uma interessante analogia entre parapraxia e antinomias sociais.

A pretensão maior do autor, por ele colocada como algo ambicioso e que se encontra expressamente formulada no parágrafo final, da parte introdutória de seu trabalho, é a de “averiguar como se dá o processo básico de aculturação do ser humano”. Para tanto, ele se utiliza de dados recentes extraídos da Filosofia, Sociologia, Antropologia e outras disciplinas humanas afins, de forma conjuntiva, tentando “ampliar o alcance das luzes pioneiras estabelecidas por Freud”.   A pretensão do autor se justifica pela importância de que o sucesso no processo de aculturação se reveste, para a coesão e manutenção do sistema social, sua estabilidade e funcionalidade harmônicas. A aculturação é, pois, esse processo dinâmico que embora se desenvolva mais intensamente na infância e adolescência –aculturação primária e secundária-, implanta no indivíduo um sistema orientacional que perdura durante a vida toda.     Em todos os itens mencionados, os respectivos conteúdos são expressos com muita lógica e clareza  e  as  referências  aos  pensamento  de  outros  autores  vêm  sempre  seguidas  das

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citações textuais dos mesmos, extraídas das obras constantes da bibliobrafia usada, de modo a oferecer o necessário embasamento teórico para as afirmações feitas.

De igual maneira, as críticas e os questionamentos formulados pelo autor, encontram, também, sua fundamentação e apoio, nos fragmentos que ele oferece ao leitor ou estudante, para que se informe e, livremente, possa avaliar.

Conquanto o ponto mais valorizado pelo autor seja o referente à aculturação, escolhi enfocar, mais intensamente, os itens que se referem, respectivamente, à Estrutura Ideofísica da Sociedade e às Antinomias Sociais, pelo que trazem de novo e interessante, no meu entender.

Começando pelo termo, Ideofísica, ele é utilizado pelo autor ao referir-se à estrutura ideofísica da sociedade, que designa os “aspectos físicos e concretos da estrutura social que abrigam, simbolicamente, as intenções sutis e imanifestas de determinada configuração social”.  Também designa, todo o aparato sistêmico usado no ajustamento dos indivíduos, inclusive  ajustadores e consequentes ajustados, que são condicionados a reconhecerem, de forma inconsciente, a topografia subliminar do poder. Esse reconhecimento os leva a uma adequação silenciosa e coercitiva, a um dado posicionamento social, por causa da ideofísica, que é a “exteriorização da vontade de potência”. Mais do que apenas uma coisa física, trata-se de algo organizado por uma subjetividade, a partir de idéias, para comunicar aos indivíduos

É feita uma interessante analogia entre a doença psicossomática, que pode se ma-nifestar no indivíduo, quando o inconsciente vaza na estrutura física, e a intenção inconsciente que se expressa e materializa na ideofísica. Os locais visíveis da sociedade, diz o autor, “são espelhos que refletem o nosso narcisismo grupal”, e acrescenta: “vemos na verdade um esboço topológico de nossa hierarquização estatutária”, porque os locais simbólicos são primeiramente hierárquicos: quem pode, quem não pode; quem legitimamente deve, quem não deve. O livre trânsito ou não, por exemplo, em dado lugar vai depender dessa estrutura ideofísica. Há formas de excluir simbolicamente, mas, isso é geralmente imanifesto ou pouco sentido pelo homem comum.

Como a racionalidade social é prisioneira da ânsia interna de domínio, a estratificação socioeconômica vai sendo imperceptivelmente moldada por uma gramática social, parcial, e a escrita social resultante é sempre “a palavra de quem domina” .

Todavia, a estrutura ideofísica não se faz presente meramente para comunicar. Ela tem também uma força modeladora que possibilita o ajustamento do indivíduo, de modo que  aceite a legitimidade que se pretende seja aceita e, só depois da aceitação daquela estrutura como  significativa  para  ele, é que terá a ação social adequada.

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Há, portanto, uma ação comunicativa, modeladora e criadora de limites, não percebida diretamente, sendo a escrita cultural, “sempre a palavra de quem domina”.

Neste processo, a obediência é de fundamental importância, é o princípio básico da ordem social e de sua manutenção, sendo, também, fruto da mencionada modelagem.

Em conseqüência disso tudo, o indivíduo comum não valora: passa , também, a aceitar como própria, a valoração que lhe é dada.                                                 .

Outro aspecto igualmente interessante a ser pontuado é o que se refere à idéia da parapraxia de Freud, aplicada ao social. Embora certa topografia estatutária tenha sido estabelecida  como mapa da racionalidade oficial, ela“ não está livre de um entorno contraditório” que, no dizer do autor, “age como margem dialética de novas racionalidades, prontas paranascer” .

Ao tratar das antinomias sociais, o autor coloca que o termo antinomia significa, etmo-logicamente, conflitos de leis. Ele foi utilizado por Kant para “referir-se ao conflito em que a razão se encontra consigo mesma por causa de sua forma peculiar de estabelecer certos procedimentos ca-tegoriais”.

Contradições entre discurso e prática social revelam a existência de pontos nervosos, de modo análogo aos atos falhos individuais. São “contradições sociais que podem ser lidas como verdadeiros atos falhos coletivos”. Para ele, tais atos, “escondem uma intencionalidade secreta que vaza como sintoma”. Esses atos não são tão falhos como se poderia supor, pois, “mascaradamente são muito bem sucedidos em perturbar a cadeia lógica de pensamentos”, são antíteses que podem conduzir à mudança, à elaboração de  uma nova síntese.
AS ANTINOMIAS SOCIAIS SÃO BASTANTE REVELADORAS DE INTENÇÕES INCONSCIENTES, PODENDO SER PERCEBIDAS NO PRÓPRIO DISCURSO OFICIAL  COMO: “BRECHAS JURÍDICAS, EQUÍVOCOS SOCIAIS, DESCASOS  POLI-TICOS”. EM  DISCURSOS  COMO  O  PROGRESSISTA,  POR EXEMPLO,  A ORDEM  É  COLOCADA COMO O MAIS IMPORTANTE PARA SE CHEGAR AO PROGRESSO. PORÉM, -ALGO DE PERTURBADOR SE EXTERIORIZA NO AMBI-ENTE  SOCIAL QUE PARECE  DESMENTIR O PROGRESSO, DESMONTAR A ORDEM. NA REALIDADE,  A  IDÉIA DE ORDEM E PROGRESSO É MAIS UMA FORMA DE DISCRIMINAR CLASSES DO QUE, PROPRIAMENTE, UM  PLANO IGUALITÁRIO, COMO  O  DISCURSO SUGERE. O QUE PODE  SER LIDO NAS ENTRELINHAS DAS CONTRADIÇÕES  É ORDEM PARA TODOS E PROGRESSO PARA ALGUNS, POIS, “ENQUANTO UMA MAIORIA DE DOMINADOS PERMANE-CE EM ORDEM,UMA MINORIA DE DOMINADORES USUFRUI, DE FORMA INVEJÁVEL, UM SUBSTANCIAL PROGRESSO” .
Buscando melhor explicitar a noção teórica de antinomia social, o autor se utiliza de um exemplo paradoxal que extrai da própria Constituição Brasileira. Nela está inscrito que “todos são iguais perante a lei”. Todavia, há setores da sociedade que são privilegiados por leis complementares, decretos, resoluções e outros expedientes normativos específicos,que asseguram  aos  seus  membros  prisão  em  regime diferenciado,  julgamento  por  tribunais

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especiais, reforma, aposentadoria compulsória e demais situações especiais. O autor entende  que  essa  antinomia  social  é  reveladora da circularidade da relação entre normas sociais e poder. Que, em sentido genérico, há uma lei para todos, mas, no sentido prático, o  corporativismo é quem vai criar  a  lei ou as exceções.  Se o indivíduo  não  tiver condição de intercâmbio com certos ambientes, ficará certamente excluído desse tratamento.

É apresentado, ainda, outro exemplo de antinomia social, bem familiar a todos nós, que é o da titulação de doutor a membros de determinadas categorias profissionais, mesmo sem que haja a correspondente formação acadêmica, inclusive, a integrantes de classes sociais mais abastadas ou socialmente mais valorizadas, em certas circunstâncias. A aceitação natural e indiscutível dessa forma de tratamento é considerada pelo autor como “ato de sujeição imposto informalmente às classes dominadas”. Tal titulação,  aparentemente inofensiva e despretenciosa, significa que o indivíduo em causa é detentor de certo status, goza de prerrogativas e privilégios que outro indivíduo não tem e que, de algum modo, se encontra ligado ao poder. .

Com relação à estabilidade institucional e a sua exteriorização topológica ideofísica, o pensamento do autor é de que são simplesmente ilusórias e “visam transformar as normas humanas em fatos naturais” . Com isso torna-se possível exercer maior e melhor controle sobre as massas e “à medida que o poder em exercício consegue naturalizar as normas sociais e as cosmovisões, não é preciso nem mesmo o uso da força direta, para exercer o domínio”: a força inercial dos dominadores, uma vez internalizada, pode se transformar em motivação para permanecer em um quietismo que o indivíduo acha natural. O autor ressalta que, “Quanto mais uma forma de poder naturaliza suas regras sociais, maior é a sua sustentação…” Existe uma instrumentalidade tão grande nisso tudo, que o individuo será até capaz de lutar, para defender aquele que o domina.

O autor concorda com Hobbes quando este diz que “a razão é impotente sem o medo e o terror”, pois, mesmo quando ela não consegue levar o individuo ao convencimento, ele acaba por aceitar dada situação, não porque seja racional, mas, por causa da força. Assim, “por meio da aceitação não crítica ou inconsciente, grande parte dos dominados justifica reativamentetudo aquilo que lhes é imposto”.

Para ele, há um “jogo quase infinito de intencionalidades conflitantes que se escondem por trás da pretensa unidade racional das chamadas sociedades civilizadas”. Em uma mesma sociedade coexistem diversas racionalidades e muitas linguagens. Embora o poder crie certa ilusão de um monolinguismo coletivo, “O que de fato existe é um plurilinguismo racional, a realidade social pode ser dita de diversas maneiras”.

Dentro de um contexto histórico e social específico, existem muitas classes e sub-culturas, que obrigam a fazer outras leituras, muito além da gramática social oficial.  Por isso,

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o autor alerta e recomenda: “a Psicanálise moderna precisa aprender a ouvir o silêncio dos excluídos que se torna audível no grande número de crises da modernidade e em todos os atos falhos sociaisque revelam formas lacunares ativas e perturbadoras”.

Assim como o que é reprimido, recalcado, em nível individual, tende a voltar perturbando a consciência, também em nível coletivo, “a intenção criminosa de exclusão, perpetrada pelas classes dominantes, retorna como perturbação da ordem social”.

O autor afirma que, estruturalmente, não podemos nos livrar de todas as antinomias sociais, e, como as diversas racionalidades existentes no conjunto social fomentam o seu dinamismo, ele entende que: “sempre existirá o embate de múltiplas intencionalidades divergentes”. Entretanto, uma leitura cuidadosa e profunda deste paradoxal fenômeno, poderá atenuar seus efeitos destrutivos.

Conquanto para o autor, os psicanalistas pareçam sofrer do mesmo mal dos filósofos, ou seja, psicanalisam muito o inconsciente, mas, não se propõem a mudá-lo de forma efetiva, fazendo uma análise social das causas que o afetam, seu trabalho se encerra com um posicionamento positivo e de certo modo esperançoso, na possibilidade de mudança de rumo da humanidade.

Assim, com tal disposição e, parafraseando Marx, ele afirma: “Os psicanalistas já interpretaram demais o inconsciente, cabe-nos agora, transformá-lo” .

Ao finalizar esta resenha devo dizer que, embora tenha me aprofundado em apenas parte do trabalho do autor e não a mais importante para ele, porém, no meu entender a mais original, o texto foi lido e estudado em sua totalidade. Isso me permite dizer que o objetivo do autor foi atingido. Ficou clara para o leitor/estudante a importância dada à “montagem” do ser humano e de como ela se processa; o papel e a importância da cultura nessa construção, através de seus agentes culturais primários, secundários e das instituições sociais, dos signos, símbolos e topologia ideofísica, entre tantos outros fatores.

Também ficou evidenciada a valiosa contribuição de ciências como a Filosofia, a Antropologia, a Sociologia e outras afins, para o entendimento da construção do sujeito humano, bem como, para levar o leitor/estudante a perceber que não é suficiente o estudo ou pratica de uma analise sob a ótica do Complexo de Édipo, como representação da Psicanálise Tradicional. É imprescindível avançar mais além!

Em que pese , indiscutível genialidade de Freud, ele não poderia ultrapassar o “máximo de consciência possível” de seu tempo e, como produto de um meio sócio-cultural e histórico livrar-se, de modo absoluto, da influência gnosiológica de sua época, ou seja, do predomínio de uma visão biologizante,  de um paradigma anatomofisiológico e evolucionista aplicado à natureza, ao pensamento, ao indivíduo e ao social.

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Mesmo assim, como o autor mostra em seu trabalho, Freud deu passos decisivos para o conhecimento da mente humana, ainda que de início defendesse teses que, atualmente, não mais se sustentam. Contextualizando o surgimento dessas teses, com o cuidado e responsa-bilidade devidos, o autor aponta e critica, entre outras, idéias como as ligadas à existência de um “inconsciente filogenético”, herdado pelo indivíduo, muito próximo do “inconsciente coletivo” de Jung, a universalização do Complexo de Édipo e a utilização do homem burguês de Viena e de seu tempo, como modelo para todo homem.

Concluo, assim, esta resenha com a citação de parte do fragmento apresentado pelo autor, na abertura de seu trabalho, que expressa bem seu pensamento, ao qual também me filio:

Para executarmos uma verdadeira Psicanálise do espírito humano, é necessário examinarmos profundamente o campo de formação de tal “espírito”, ou seja: a sociedade . O campo social é a área de conexão entre a comunicação e a ideação, portanto, foi nesse ambiente universal, de interação entre o individual e o coletivo, que a vontade se solidificou, como uma ponte entre o animal e o homem”. (grifo meu)

 

        “N O V O S   H O R I Z O N T E S

         E P I S T E M O L Ó G I C O S

           N A   P S I C A N Á L I S E

                                                           Resenha feita pela aluna

                                                                Leonor Pajaro Grande Ferreira