Freud chama a constituição do narcisismo de “nova ação psíquica” Freud (1989), assim, a partir do estabelecimento interno de uma “autoimagem”, o ego é sentido pelo sujeito como um núcleo ideacional, ou, em outras palavras, o sujeito se identifica com a própria imagem.
Porém, o ato de criação dessa autoimagem, não ocorre pela força de organização do sujeito; uma ação subjetiva externa tem grande peso nesse processo.
Lacan, baseando-se em algumas das ideias mais fecundas do sistema freudiano, fixa esse momento de intersubjetividade, como o momento decisivo de criação do eu, nesse sentido, “Ser-Para-Outro” é a verdadeira razão de nossa constituição subjetiva.
Ele contextualiza o termo “alienação”, como um designativo, de um fenômeno básico, para que ocorra a formação de nossa existência pessoal. Projetar-se num “Outro” é, para Lacan, a condição básica para a nossa humanização. Dessa maneira, não há ego sem a mediação do Outro.
Em seu texto O Estádio do Espelho Como Formador do Eu Tal Como Nos é Revelada na Experiência Psicanalítica, o analista francês explicou da seguinte maneira sua concepção:
[…] o filhote do homem, numa idade em que, por um curto espaço de tempo, mas ainda sim por algum tempo, é superado em inteligência instrumental pelo chimpanzé, já se reconhece não obstante como tal sua imagem no espelho. […] logo repercute, na criança, uma série de gestos em que ela experimenta ludicamente a relação dos movimentos assumidos pela imagem com seu meio refletido, e desse complexo virtual com a realidade que ele reduplica, isto é, com seu próprio corpo e com as pessoas, ou seja, os objetos que estejam em suas imediações (Lacan, 1998, pp. 96-97).
Para Lacan, o autorreconhecimento de sua imagem refletida por uma superfície externa, constitui-se como o mais significativo elemento de diferenciação entre o “filhote do homem” e os outros animais.

Ao ver-se no espelho e, ao identificar-se com a imagem dinâmica que se apresenta como seu “duplo”, a mesma é internalizada como um referencial interno do “Si- mesmo”.
Porém, a palavra espelho, neste contexto conceitual, não deve ser aplicada apenas em seu sentido literal. Por se tratar de uma metáfora, o verdadeiro espelho em questão é, um outro termo, para noção freudiana de identificação primária, processo pelo qual, o eu fixa-se através da identificação à imagem do semelhante. É por isso que Lacan explicou que podemos:
[…] compreender o estádio do espelho como uma identificação […] a transformação produzida no sujeito quando ele assume uma imagem — cuja predestinação para esse efeito de fase é suficientemente indicada pelo o uso, na teoria, do antigo termo imago (Lacan, 1998, p. 97).
Ao dizer que o sujeito “assume uma imagem”, Lacan faz referência à noção de incorporação da imagem do Outro, porém, articula esta noção a partir do campo do escópico. Ao internalizar a imagem estruturada do Outro, essa imagem internalizada, torna-se um elemento estruturante, ou seja, a criança se reconhece no “espelho gestáltico” do corpo completo da mãe.

É neste contexto que a comparação que Lacan faz entre a criança e o chipanzé, ganha verdadeira relevância. Apoiando-se nos dados oferecidos pela Embriologia, Lacan ressalta que, embora o filhote humano não tenha condições neurológicas para exercer controle motor sobre o seu próprio corpo, não podendo assim, coordenar seus movimentos, após o seu sexto mês de vida, já é capaz embrionariamente de reconhecer-se no espelho.
Prof. Marcos de Oliveira / Trecho extraído do livro REVISITANDO FREUD – As Interfaces Contemporâneas da Psicanálise / Compre online ou fisicamente na livraria Martins Fontes

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